A Igreja que queremos:
A nobreza da
comunidade hermenêutica
Texto Base: Atos-17.0-1:15
- Permitam-me recontar-lhes, resumidamente, a conhecida Parábola dos urubus e os pintassilgos: Certa feita, os urubus tomaram o poder na floresta e impuseram seu estilo de vida a todos os animais. Sua culinária, sua moda, sua estética e mesmo suas preferências musicais tornaram-se o padrão e a referência para todos.
Os pintassilgos, muito cordatos, esforçavam-se sobremaneira para corresponder às exigências dos urubus. Entretanto, os pobres pintassilgos não conseguiam se acostumar com o cardápio de carniça que deveria substituir sua dieta de frutas, tão pouco conseguiam andar como os urubus, reproduzir-lhe os requebros e os grunhidos que os urubus chamavam de música. Observando os desajeitados pintassilgos, os urubus concluíram sumariamente: “Não adianta. Um pintassilgo sempre será um urubu de segunda categoria”.
- Esta estória, escrita por Rubem Alves, demonstra muito bem como todos nós procuramos modelos para pautar nosso estilo de vida. E os há de toda espécie. Uns mais para urubus, outros mais para pintassilgos. Obviamente, alguns desses modelos nos fascinam e seduzem. Entretanto, o povo chamado metodista tem nas Escrituras e no testemunho dos primeiros cristãos o referencial para sua fé e para sua prática.
- E esta é uma oportunidade privilegiada para refletirmos sobre nossa identidade e decidirmos sobre a igreja que queremos.
- Um slogan de fundo positivista, aludindo ao que é ou não possível, reza: se podemos sonhar algo, então podemos realizá-lo! Se isso for verdade, só poderemos construir a igreja ideal se, primeiro, pudermos imaginá-la.
- Esta é nossa pretensão: a partir do texto lido, idealizar a igreja da qual teríamos orgulho.
- No texto de Atos 17, o autor deixa transparecer um juízo de valor que apresenta a Igreja em Beréia como sendo mais nobre que a de Tessalônica.
- Numa leitura atenta, podemos ver como a comunidade de Tessalônica se mostrou invejosa, intolerante, violenta, incapaz de fazer auto-crítica, hipócrita, incoerente, manipuladora, corrupta entre outras “qualidades”.
- Tessalônica era a comunidade da qual teríamos vergonha. Mas, a poucos quilômetros dali, uma outra igreja entrou para a história, pela pena de Lucas, recebendo os elogios que toda igreja gostaria de receber para si.
- Vejamos, então, quais as características que fizeram de Beréia uma igreja mais nobre.
Primeiramente, Beréia era Uma comunidade aberta
Uma igreja aberta é: Dialógica: Beréia, ao contrário de Tessalônica, era uma comunidade aberta ao diálogo, pois está registrado que ela acolhe Paulo e Silas e se dispõe a conversar com eles (dieleksato).
- Em Tessalônica havia ordens, leis e condenações.
- Em Beréia: conversa, diálogo e respeito.
Ávida da Palavra: A comunidade de Beréia tinha sede da Palavra de Deus encarnada (cf. v. 11b: “receberam a palavra com toda avidez”).
- Em Tessalônica a Palavra de Deus era ocultada pela tradição.
- Em Beréia a Palavra inovadora de Deus fecundava e dinamizava a tradição.
Acolhedora do novo: Disposta a ouvir as novidades trazidas pelos missionários, a comunidade de Beréia estava aberta a novas experiências e a novos desafios (cf. v. 11b).
- Enquanto Tessalônica prendia, torturava e expulsava seus profetas, a comunidade de Beréia os acolhia, protegia e sustentava. Mas, mais do que aberta, Beréia era Uma comunidade madura
Uma igreja madura é: Crítica (com senso crítico): Os bereianos e bereianas estavam abertos para as novidades, mas sem ingenuidade.
- Queriam conferir tudo nas Escrituras para ver se as cousas são de fato assim (cf. v. 11c). Se, por um lado Tessalônica rejeita, de saída, a mensagem dos missionários, os bereianos estão longe de, simplesmente, engolirem qualquer “sapo”.
- O grande cientista Karl Sagan costumava dizer: “devemos ter a mente aberta, mas não tão aberta a ponto do cérebro cair para fora”.
- Por isso a comunidade de bereia não vai atrás de qualquer novidade, não se ilude com a moda religiosa, não se embriaga com as novidades das paradas de sucesso, nem se deixa enganar por eloqüentes animadores de auditório.
- Diante da novidade propõem: “Vamos ver se as coisas são de fato assim, vamos conferir nas Escrituras Sagradas”.
- Atualizada (preocupada com sua “reciclagem”): A expressão “dia-a-dia” mostra como eles liam e reliam as Escrituras aplicando-as ao seu contexto e à sua vida, atualizando a sua mensagem para o dia de “hoje”.
- A Palavra não foi feita para ser lida apenas, dizia um velho pastor, mas para ser estudada.
- No início, nos alimentamos com leite, mas depois precisamos de alimento sólido para crescermos em estatura (quantidade) e graça (qualidade).
Constante (com uma fé que vai além do ritual formal do fimde- semana): Enquanto os de Tessalônica só se reuniam nos sábados, os bereianos viviam sua fé todos os dias.
- Tessalônica se ocupava das Escrituras uma vez por semana, mas a comunidade de Beréia a vivia todos os dias e buscava nas Escrituras a orientação necessária para viver a vontade de Deus diariamente.
- E porque era aberta e madura, Beréia era Uma comunidade missionária
Uma igreja missionária é: Ortoprática: A comunidade de Beréia não somente era ortodoxa (conhecia sua tradição), era, também, ortoprática, i.e., todos viviam de acordo com o que criam.
- Havia uma coerência e uma conseqüência entre fé e prática (cf. vv. 12 e 14-15).
Organizada: Expressões como “promoveram sem detença…” e “os responsáveis por Paulo levaram-no…” mostram como os bereianos eram articulados, habilidosos, eficientes e ágeis na ação missionária.
- Se tivessem uma estrutura excessivamente pesada, dependendo de complicados conchavos políticos e intrincadas votações em onerosas assembléias, talvez a missão de Paulo e Silas tivesse sido abortada no capítulo 17 do livro de Atos.
Solidária: Diante da perseguição promovida pelos intolerantes tessalonicenses, os bereianos não se eximiram de suas responsabilidades, não lavaram simplesmente as mãos, antes, arregaçaram as mangas para proteger, financiar e promover Paulo, Silas e Timóteo. Assim fazendo, promoviam, em última instância, a própria ação missionária da Igreja.
Conclusão
- Afinal, que tipo de Igreja queremos ser?
- Qual a nossa mais legítima identidade?
- Quando simplesmente copiamos estranhos modelos, perdemos nossa identidade e passamos a ter vergonha do nosso nome, mas se revitalizarmos nossa tradição à luz da Palavra de Deus, teremos orgulho de sermos o que somos – e, talvez, descubramos, afinal de contas, que não é tão ruim, assim, ser pintassilgo.
- A conversão, verdadeiramente impressionante para nossos dias, seria a de nossas comunidades serem menos Tessalônica e mais Beréia: Uma comunidade que tem nas Escrituras Sagradas seu mais forte referencial.
Uma verdadeira e nobre comunidade hermenêutica: aberta, madura e missionária.
Assim Deus nos ajude!
Por Luiz Carlos Ramos / * (Ao professor, teólogo e amigo, Dr. Juan Stam, com gratidão pelas suas ricas orientações hermenêuticas)
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